Oráculo
É segunda, mas já não importa. Meus filhos não perguntam mais pela escola, habituaram-se com a vida sem abraços e telada. Temem o toque e rir sem máscaras. Eu arrisco colocar os pés na calçada para ir até a padaria e ver o rosto de outros transeuntes para além dos entregadores. A lembrança do cheiro de pão quentinho enche minha boca d’ água. A padaria esta fechada. Dou-me conta que Antônio, o padeiro, morreu; o dono do botequim da esquina; a costureira do armarinho ao lado da farmácia. Alguém esbarra em mim e estremecemos juntos. Afasto-me. As ruas não serão mais habitadas pela espontaneidade, ainda há um cheiro apodrecido e o manto de luto. Vejo muitas borboletas e ouço o canto de novos pássaros nas árvores. O céu está mais azul, o ar mais leve , as ruas mais silenciosas. A raça humana esta em extinção e o planeta renasce, enquanto nossas águas se purificam. Dou um pequeno sorriso cínico. Será? Penso no vírus acumulando nas mãos de poucos.
Volta às aulas na França, maio de 2020.
Imagem: Reprodução/Lionel Top/BFM TV